Um estudo da Universidade Irvine, na Califórnia, apontou que as pessoas que trabalham em escritórios são interrompidas, em média, uma vez a cada 11 minutos. Isso inclui chamadas de telefone, mensagens de aplicativos, reuniões, conversas com colegas, alinhamentos e outras tarefas.
O relatório mostrou também que esses mesmos profissionais levaram mais de 25 minutos para retomarem o foco em suas atividades, antes de serem interrompidos. Agora imagine este cenário para uma pessoa que possui TDAH, o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade.
Independentemente do ambiente de trabalho, as distrações podem ocorrer a todo momento. No entanto, para os colaboradores que possuem esta condição, o desafio é ainda maior.
“É importante fazer o diagnóstico de TDAH, pois os trabalhadores que sabem que têm esse transtorno conseguem adotar hábitos que os façam ter uma produtividade maior. Mas quando o profissional tem déficit de atenção, mas não sabe disso, ele pode sofrer com os sintomas, se sentir deslocado no ambiente de trabalho ou com a sensação de que está sempre sobrecarregado”, comenta Thais Camargo, diretora de gente e gestão da It’sSeg.
O que é o TDAH?
O nome Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade já indica quais são as principais dificuldades enfrentadas por indivíduos com TDAH. Quem possui essa condição precisa se esforçar bastante para manter a concentração contínua em uma atividade, sem se distrair.
Em alguns casos, pequenas coisas tiram o foco de quem tem TDAH, desde uma simples caneta caindo no chão, até a notificação que aparece na tela do celular. No entanto, o grau de distração varia de acordo com o nível do déficit que a pessoa tem.
Além disso, existem outros indícios que podem caracterizar um quadro de TDAH:
- Impulsividade, tanto na fala quanto nos gestos;
- Hiperatividade, especialmente na infância;
- Dificuldade de seguir uma rotina;
- Problemas em gerenciar o tempo;
- Criatividade em tarefas que desafiem sua imaginação;
- Hiperfoco em atividades que sejam de grande interesse.
Como identificar o TDAH?
A psicóloga da It’sSeg, Patrícia Weisman, explica que é possível notar alguns indícios do déficit de atenção.
“Muitas pessoas que possuem o TDAH se machucam com frequência, pois por onde elas passam, elas vão batendo a mão nos objetos ou chutando as coisas sem querer. Existe também aquela pessoa que está sempre derrubando as coisas por acidente, porque vai pegar e deixa cair. E existe o sintoma mais comum, a hiperatividade. É difícil essa pessoa ficar parada, está sempre mexendo em alguma coisa, costuma ter a fala acelerada e gesticular bastante”.
TDAH na infância
Durante a infância, os sinais podem ser ainda mais evidentes. A psicóloga conta que conseguiu identificar os indícios de TDAH em seu filho ainda pequeno.
“Desde quando ele era menor, eu tinha certeza que ele tinha TDAH, porque era nítido. Quando a gente ia em algum evento (churrasco, festa de família), eu ficava cansada de correr atrás dele, porque ele sempre foi aquela criança muito hiperativa, que não dormia, que pulava toda hora.
Hoje ele tem 12 anos, vive uma vida normal e consegue estudar tranquilamente. O bom é que ele se auto percebe. Ele sabe os momentos em que o TDAH dele começa a ficar mais intenso. Então o autoconhecimento também pode levar ao diagnóstico mais facilmente”.
Para Thais, a situação foi semelhante. Ela conta também alguns desafios que o filho passa na escola por conta do déficit de atenção.
“Nas escolas, existem leis que garantem a atenção necessária para os alunos que têm essa condição, como é o caso da realização das provas em sala separada.
Eu falo para o meu filho que ele tem esse direito, mas ele não gosta disso, porque ele fala que se ele for bem na prova, os coleguinhas vão dizer que é porque ele foi favorecido”.
O TDAH está relacionado a outras condições psicológicas
É importante ressaltar que o TDAH se liga diretamente a outros transtornos, como o de ansiedade, depressão, de aprendizado, entre outros. Pessoas que não tratam o déficit de atenção podem aumentar as chances de desenvolver essas condições.
A psicóloga da It’sSeg conta que existe a possibilidade de indivíduos, principalmente adultos, procurarem ajuda médica para tratar uma ansiedade e descobrir que a origem dela foi o TDAH. No caso das crianças, é mais comum a descoberta do transtorno de aprendizagem, devido às dificuldades escolares, em decorrência do déficit de atenção.
“Meu diagnóstico de TDAH foi ainda na infância. Tive algumas questões familiares que foram complexas e até que eu entendesse o motivo de tudo aquilo foi um longo processo. Recebi algumas informações muito novo, e até hoje acredito que eu não deveria ter recebido naquele momento. Por conta disso, desde os meus 5 anos eu faço acompanhamento psicológico.
A descoberta do TDAH veio com essas idas a esses profissionais, pois devido a tudo o que aconteceu, entrei num quadro de depressão. Tive alguns momentos de crise, então precisei manter o acompanhamento psicológico também com psiquiatra em conjunto com a medicação”, relata Rafael Nunes, analista de gente da It’sSeg.
Tratamento do déficit de atenção
O acompanhamento do TDAH varia de acordo com o grau que a pessoa apresenta. Depois do diagnóstico através de uma avaliação neuropsicológica, que deve ser feita por médicos especialistas, tais como: psiquiatra, neurologista ou neuropediatra, existe a possibilidade de fazer o tratamento individualizado por meio de terapia com psicólogo e/ou entrar com medicamento, caso seja necessário.
Por ser uma condição neurológica, é possível que o déficit de atenção seja reduzido a níveis mínimos com o acompanhamento adequado. No entanto, a condição sempre existirá.
E no ambiente de trabalho, como lidar com o déficit de atenção?
Muitos profissionais não gostam de falar abertamente que possuem TDAH. Por ser uma questão relativamente nova e desconhecida, a falta de conhecimento sobre o transtorno pode ser motivo de eliminação em um processo seletivo, por exemplo.
“Infelizmente ainda existem lideranças que pensam que o déficit de atenção é algo incapacitante, mas muito pelo contrário”, assinala Thais. A diretora explica também que “a construção de um ambiente neurodivergente nas empresas pode ser muito positivo para toda a organização”.
Para Rafael, o dia a dia no ambiente de trabalho possui algumas particularidades:
“Costumo me reservar bastante enquanto estou fazendo as atividades para não me distrair. O lado negativo de ser tão reservado, especificamente nestes momentos, é que as pessoas têm dificuldade para entender que eu não gosto de conversar quando estou ocupado. Há momentos em que eu preciso verbalizar que eu tenho TDAH para não ficar aquele clima chato”.
O analista conta também que existem táticas que o ajudam a driblar o déficit de atenção no ambiente de trabalho.
“Gosto de colocar post-its eletrônicos no computador (Notas Autoadesivas), variando suas cores de acordo com o tema, porque assim consigo visualizar melhor qual lembrete serve para cada tarefa que preciso fazer. Também prefiro aproveitar os dias que eu trabalho home office para fazer as atividades as quais sei que vou precisar ter um pouco mais de atenção”.
Hábitos para colocar em prática
Indivíduos com déficit de atenção costumam adotar hábitos próprios para driblar o TDAH no trabalho. Primeiro, é importante nos blindarmos das distrações que nós mesmos causamos, seja por celulares, conversas ou outros meios.
Essas distrações que eliminam a nossa produtividade podem trazer consequências nada agradáveis, como o “trabalho invisível”. Ou seja, quando você trabalha fora do expediente, geralmente aos finais de semana, para se manter em dia com as demandas.
- Organize seu dia com antecedência;
- Defina metas diárias: Ter objetivos claros ajudará a manter a motivação e concentração naquilo que foi planejado;
- Cole lembretes para auxiliar as demandas;
- Tente fazer exercícios de respiração ou meditação. A prática de atividades físicas também ajuda a baixar a hiperatividade;
- Se você trabalha bem ouvindo música, coloque os fones de ouvido e foque na sua tarefa;
- Tenha calma, faça uma tarefa por vez e aprenda a dizer não;
“Existe uma tendência da pessoa com TDAH em querer fazer tudo, dar conta de todas as tarefas e geralmente tudo ao mesmo tempo. Principalmente porque eles sofrem com esses rótulos que acabam sendo colocados em cima deles”, comenta a psicóloga da It’sSeg.
Saiba diferenciar o déficit de atenção e a falta de foco
Diversas pessoas se identificam com os sinais do TDAH, mas Patrícia destaca que é fundamental saber diferenciar cada caso:
“Vários fatores externos, como excesso de estresse, de demandas, sobrecarga na vida pessoal, podem tirar o nosso foco. Então, é importante você perceber se o que você está tendo é algo momentâneo, de acordo com o que você está passando no presente, ou se a sua desatenção é algo a longo prazo”.
Existem pessoas que podem passar uma vida inteira sem perceberem que possuem TDAH por conta do baixo nível de sintomas. Outros indivíduos até percebem que possuem excesso de distração, mas não procuram saber a fundo o motivo.
Por isso, se você se identificou com algum dos relatos e tem sofrido com esses indícios no ambiente profissional, busque ajuda de um psicólogo.
Personalidades bem-sucedidas com TDAH
Embora as dificuldades enfrentadas por uma pessoa com TDAH sejam mais evidentes, existe um lado muito positivo de quem tem o déficit de atenção.
“Quem tem TDAH pode ser uma pessoa extremamente criativa, empática, com a visão formada sobre vários assuntos, pois a cabeça deles está sempre em movimento. Além disso, eles possuem um hiperfoco em atividades que eles gostam de fazer. Ou seja, é importante identificar os pontos fortes dessas pessoas e saber colocá-los em prática”, explica Thais.
No esporte, por exemplo, a ginasta norte-americana Simone Biles, e o nadador Michael Phelps já declararam que possuem déficit de atenção. Este inclusive foi um dos motivos para terem seguido o caminho esportivo, pois foi a forma que encontraram de canalizar a hiperatividade.
No cinema também temos exemplos. Os atores Will Smith, Ryan Gosling e a atriz Emma Watson, sempre falaram abertamente sobre como o TDAH foi importante para escolherem o ramo da dramaturgia.
Fundadores de grandes empresas possuem essa condição. É o caso do empresário Bill Gates, dono da Microsoft, e Richard Branson, proprietário da distribuidora mundial de música Virgin Records.
No Brasil, a lista de personalidades que possuem TDAH traz como exemplo as apresentadoras Sabrina Sato e Tatá Werneck. Ambas diagnosticadas com déficit de atenção quando crianças.