Viver sem açúcar: é possível?

10 de outubro de 2017

Vez ou outra me proponho mudar algo na minha vida. Funciona como um empurrãozinho em algum hábito alimentar que estou querendo mudar, mas que ainda não implementei completamente na minha rotina. E, no último ano resolvi passar a quaresma sem comer açúcar refinado.

Parecia simples, já que não compro açúcar refinado há anos e não como quase nada com açúcar. Gosto, de verdade, de sentir o sabor das coisas. Acontece que vivo numa grande cidade, às vezes estou longe da minha casa e quando preciso comer na rua, começa a dificuldade. Quase tudo tem açúcar refinado – pães, pizzas, até pão de queijo!

O açúcar da cana, o mais comum aqui no Brasil, é uma boa fonte de vitaminas e sais minerais, desde que consumido na sua forma mais pura. No mercado temos disponível o mascavo – com gosto mais acentuado de cana, o demerara – menos gosto residual e com pouca perda de nutrientes em comparação com o refinado, e o cristal orgânico – muito utilizado para confeitaria, mais solúvel e palatável.

Alguns estudos indicam que o açúcar é o aditivo mais viciante. E somos apresentados a este vício já na primeira infância. Isto, além de dificultar a introdução alimentar, pois modifica o sabor dos ingredientes, é uma caloria vazia, sem nenhum nutriente.

Quase toda indústria de alimentos ‘conta’ com este vício para vender mais seus produtos. Criam lanches, biscoitos, bolos, barrinhas de cereais, pães, molhos, recheios e tudo mais que seja capaz de seduzir nosso paladar com base neste ingrediente barato e de apelo quase infalível.

Deixar de colocar açúcar em tudo é fundamental para abrir as papilas gustativas, descobrir sabores, expandir as possibilidades gastronômicas e, é claro, se libertar gradualmente do vício. O hábito do açúcar faz com que não controlemos de fato nossas escolhas e passamos a achar que gostamos ou não gostamos de comer algo com base nesta “dependência química”. E essas escolhas estão diretamente relacionadas à nossa saúde. Portanto, é grave.

Então, se você quer abandonar esse vício, comece com atitudes simples, porém firmes, como tirar o açúcar das bebidas – café, sucos, chás. Claro que tudo varia de pessoa para pessoa, mas em média três meses é tempo suficiente para se adaptar aos novos sabores e não sentir a saudade do açúcar. Aliás, depois desse tempo começamos até a nos questionar como podíamos colocar açúcar no café. É maravilhoso quando começamos a sentir o sabor das coisas.

Esta atitude simples é capaz de desencadear uma série de mudanças no nosso corpo, em especial nas nossas papilas. Inclusive, começamos e comer menos gordura. Sim, quando começamos a sentir sabores, a gordura atrapalha e, sem perceber, comemos menos queijo, leite, achocolatados, doces brancos, etc. Acontece naturalmente.

Agora, quando a quaresma terminou, comi um pedaço de chocolate ao leite que ganhei de um amigo e pude perceber mais uma escala de mudança na minha boca: apesar de o chocolate ser de ótima qualidade, foi muito doce para mim, que normalmente prefiro os amargos, mas que sempre me divertia com um bom chocolate ao leite. Minhas papilas ficaram ainda mais sensíveis, comer tinha ficado ainda mais prazeroso.

E a minha crítica à chamada street food ficou mais afiada. Eu já selecionava bem, agora, com esta experiência de buscar algo sem açúcar branco, fiquei ainda mais atenta. Na prática, isso aumentou minhas boas opções: consigo me saciar mais plenamente com comida mais simples e verdadeira. Explico: quando estou na rua à tarde e me dá vontade de comer um doce, busco uma opção mais genuína, como caldo de cana. Aqui na cidade existem vários lugares que vendem. Posso tomar o caldo puro, com alguma outra fruta, ou mesmo chupar a própria cana in natura.

Também posso pedir sucos de frutas puras ou levar frutas na bolsa. É engraçado como nosso paladar vai ficando mais sensível e os ingredientes mais puros e simples começam a nos dar mais prazer e saciedade. No processo, nos livramos da dependência química de açúcar.

Ser livre é poder escolher. Não podemos ter escolhas reais se somos dependentes de algo. Então, vamos começar a observar quantas vezes ao dia ingerimos açúcar?

Bia Goll é uma cozinheira que acredita na harmonia do bem-viver e no respeito aos ingredientes que vem da terra. Nesta série, ela compartilha suas reflexões sobre alguns alimentos.

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