A Lei nº 12.846/2013, conhecida como Lei Anticorrupção, estabeleceu no Brasil um marco importante na responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas por atos lesivos à administração pública.
Sua aplicação, contudo, envolve questões interpretativas complexas, que exigem critérios uniformes e coerentes para assegurar segurança jurídica, previsibilidade e isonomia nas decisões administrativas.
Com esse propósito, a Controladoria-Geral da União (CGU) tem adotado enunciados administrativos como instrumento de orientação técnica e uniformização de entendimentos no âmbito dos Processos Administrativos de Responsabilização (PAR). A medida busca alinhar práticas, reduzir divergências e consolidar uma interpretação estável da legislação anticorrupção em todo o país.
A importância da uniformização
Desde a entrada em vigor da Lei Anticorrupção, órgãos públicos e comissões processantes enfrentam dificuldades na aplicação uniforme de conceitos como “vantagem indevida”, “benefício obtido” e “dosimetria de penalidades”.
Essas variações interpretativas geravam insegurança jurídica e assimetria de riscos entre empresas e órgãos fiscalizadores, ampliando a exposição a penalidades e incertezas regulatórias.
A publicação dos enunciados administrativos pela CGU busca justamente eliminar essas disparidades e garantir uma referência técnica comum. Além de aprimorar a coerência das decisões, a medida fortalece o ambiente de integridade corporativa, conferindo às empresas parâmetros claros para gestão e mitigação de riscos legais e reputacionais.
Os enunciados e seus principais pontos
Em 2025, a CGU publicou novos enunciados voltados à interpretação da Lei Anticorrupção e do Decreto nº 11.129/2022, que regulamenta os procedimentos administrativos de responsabilização.
De caráter orientativo, mas com forte influência prática, esses enunciados funcionam como balizas interpretativas para os órgãos de controle e para o setor privado.
Entre os principais temas abordados, destacam-se:
- Dosimetria de penalidades: as multas devem observar o decreto vigente à época do relatório final, garantindo proporcionalidade e previsibilidade.
- Definição de vantagem indevida: abrange não apenas valores financeiros, mas também benefícios imateriais, políticos ou reputacionais.
- Responsabilização objetiva: independe da comprovação de dolo, bastando que a conduta tenha resultado em benefício à empresa.
- Atos em licitações: a simples apresentação de documentos falsos caracteriza infração, ainda que o certame não seja concluído.
- Brindes e hospitalidades: são permitidos dentro dos limites previstos no Decreto nº 10.889/2021, vedando excessos que possam configurar favorecimento indevido.
- Aplicação de sanções: multa e publicação extraordinária devem ser aplicadas cumulativamente, salvo em casos de acordo de leniência ou termo de compromisso.
Esses pontos reforçam a importância de uma estrutura robusta de compliance, com processos de controle interno, due diligence e auditoria que assegurem aderência às normas e reduzam a exposição a riscos sancionatórios.
Impactos e desafios para as empresas
A adoção dos enunciados administrativos traz impactos diretos para a governança corporativa. As empresas precisarão revisar manuais, políticas e treinamentos internos, adequando suas práticas aos entendimentos consolidados pela CGU.
Essa adaptação não se resume ao cumprimento da lei: trata-se de revisar a arquitetura de gestão de riscos, considerando:
- Risco regulatório: maior clareza sobre critérios de responsabilização reduz incertezas e melhora o planejamento estratégico.
- Risco jurídico: decisões mais previsíveis permitem estruturar defesas e acordos de leniência com base em parâmetros técnicos estáveis.
- Risco reputacional: a transparência e coerência decisória fortalecem a confiança de investidores, clientes e parceiros.
Além disso, a previsibilidade decorrente dos enunciados tende a reduzir contenciosos administrativos e judiciais, criando um ambiente mais seguro e eficiente para o setor público e privado.
Riscos de integridade: do controle à resiliência
Mesmo com o avanço regulatório, as empresas continuam expostas a riscos de integridade que não podem ser completamente eliminados – mas podem ser transferidos ou mitigados.
Nesse sentido, instrumentos como seguros de responsabilidade civil, D&O (Directors and Officers) e programas de gestão de riscos integrados tornam-se aliados estratégicos na proteção contra perdas financeiras e danos reputacionais decorrentes de atos de corrupção, fraude ou falhas de governança.
Ao combinar mecanismos de prevenção (compliance) com estratégias de transferência de risco (seguros especializados), as organizações fortalecem sua resiliência institucional e demonstram compromisso com uma cultura de integridade sustentável.
Novo marco na gestão de riscos e integridade corporativa
A uniformização de entendimentos promovida pela CGU representa um avanço na governança pública e privada, que eleva o padrão de transparência, previsibilidade e responsabilidade empresarial no Brasil.
Os enunciados administrativos reduzem riscos regulatórios e promovem estabilidade jurídica, ao mesmo tempo em que incentivam práticas corporativas mais éticas e sustentáveis.
Compreender e incorporar essas diretrizes à gestão de riscos é um passo fundamental para qualquer organização comprometida com integridade, transparência e continuidade dos negócios.