Eu me demito: A grande resignação no mercado de trabalho brasileiro

14 de março de 2024

Já se passaram quase quatro anos desde que o psicólogo organizacional Anthony Klotz assinalou o termo “The Great Resignation”. Em uma frase que depois se tornaria famosa, ele disse em entrevista: “a grande demissão está chegando”. 

O profissional acreditava que a pandemia, alinhada a uma série de outras insatisfações no trabalho, iria desencadear uma onda incomumente grande de demissões nos EUA. A ideia foi ousada na época, pois não refletia os dados oficiais da mão de obra estadunidense.

Mas após algumas semanas, novos levantamentos mostraram que cerca de 4 milhões de trabalhadores haviam se demitido em abril de 2021, o nível mais alto já registrado. Em novembro, esse número havia subido para 4,5 milhões. Em 2022, fevereiro foi o nono mês consecutivo com demissões superiores a 4 milhões. 

O fenômeno chegou ao Brasil, com recorde de demissões voluntárias em 2023

No Brasil, a taxa de desemprego ronda os 11,5% – um cenário bastante diferente dos EUA, onde esse índice fica abaixo de 4% hoje. E, mesmo assim, também vivemos uma grande resignação.

Mais de quinhentos mil brasileiros pediram demissão todos os meses em 2021 e 2022, bem acima da média de 300 mil registrada em 2019. No ano passado, a onda ganhou ainda mais força.

Em 2023, mais de 7,3 milhões de brasileiros pediram demissão voluntariamente. Uma fatia de 34% dos mais de 21,5 milhões de desligamentos registrados, segundo dados organizados pela LCA Consultores com base no Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). O montante representa um aumento de 7,9% em comparação ao ano anterior, em uma tendência de crescimento observada durante a pandemia.

O cenário indica o aquecimento da economia após a crise sanitária, além da transformação das prioridades profissionais, sobretudo entre os jovens. Isso sem contar as mudanças nas relações de trabalho com a popularização do home office.

Por que a demissão silenciosa repercutiu tanto?

 

O que leva as pessoas a pedirem demissão?

Klotz cita algumas causas para este fenômeno. Ele explica que agora os trabalhadores estão criando novos caminhos profissionais após três anos de trabalho de alto estresse por conta da crise sanitária e, com isso, estão reformulando seus valores. 

Outro motivo explicado pelo profissional está nos pedidos de demissão que deveriam vir nos anos da pandemia. No entanto, os trabalhadores, por medo do cenário imprevisível, acabaram permanecendo em seus empregos pela falta de opção. 

A terceira razão estaria ligada ao que os psicólogos chamam de Teoria da Gestão do Terror, que está relacionada à ideia de que os indivíduos confrontadas com a morte ou doença grave tendem a refletir sobre quanto significado e contentamento existem em suas próprias vidas.

“O que eu ouvia era: ‘Antes da pandemia, eu organizava toda a minha vida em torno do trabalho’”, conta Klotz. Mas, saindo da fase aguda da crise, as pessoas começaram a rever suas maiores prioridades. Passar horas incansáveis apenas trabalhando já não estava mais em cogitação.

Por fim, os trabalhadores não querem abrir mão da autonomia. “As pessoas experimentaram o home office por meses a fio e agora não cedem facilmente”, afirma Klotz. A fala do psicólogo ajuda a explicar o cenário brasileiro atual, onde boa parte das organizações estão priorizando o retorno 100% presencial.

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O que esperar do futuro do mercado de trabalho?

Quanto ao que Klotz acredita que acontecerá a seguir, ele começa com um grande aviso: “Sou um psicólogo organizacional, não um economista, então não tenho o direito de fazer previsões sobre o mercado de trabalho”, diz.

Ainda assim, ele acredita que as taxas mundiais de demissão podem ficar acima da média por um tempo: em parte porque a demissão pode ser contagiosa e, também, porque há muitas mudanças no local de trabalho conforme os empregadores experimentam novas formas de gerir seus times.

Embora nos Estados Unidos os índices de desligamentos voluntários já tenham desacelerado, é possível que o movimento ainda siga em outros países. Independentemente de quanto tempo as renúncias seguirão, outro fenômeno já é visível tanto no Brasil quanto nos EUA. É como um spin-off da grande resignação: trabalhadores podem até não pedir demissão no ritmo dos últimos meses, mas isso não significa que estejam felizes onde estão.

“Acho que isso vai manter o mercado de trabalho um tanto instável por um tempo”, afirma Klotz. Além disso, as pessoas estão “organizando suas vidas” e como elas querem que seus futuros sejam, especialmente as novas gerações.

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